Fornecido por Estadão
O desmatamento na Amazônia caiu 50% no ano passado em comparação com 2022, conforme o sistema Deter, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Em contrapartida, a devastação do Cerrado, o segundo maior bioma brasileiro, subiu 43% no período. Em dados absolutos, foram 5.151 km² e 7.828 km² de área desmatada em cada ecossistema, respectivamente.
É a primeira vez que o sistema Deter, em operação desde 2018, registra uma área desmatada no Cerrado, que ocupa cerca de 22% do território nacional, maior que a devastada na Amazônia, que detém mais de 50% de todo o território brasileiro. Os números também representam o maior patamar de desmatamento do Cerrado já registrado pelo Deter, e o menor da Amazônia em toda a série histórica para esse sistema, que começou em 2018.
Os Estados do Pará, Mato Grosso, Maranhão, Tocantins e Bahia têm as maiores áreas devastadas, sendo o município de São Desidério (BA) aquele com maior degradação do Cerrado no ano (357 km²). Altamira (PA) concentra maior degradação da Amazônia no ano (1.284 km²).
A perda de vegetação nos dois biomas, somados, foi de 12.979 km² em 2023, total 18% inferior ao de 2022. Colocando em perspectiva, é como se o Brasil tivesse deixado de perder dez cidades de São Paulo em vegetação em um ano, e passasse a perder oito.
Amazônia teve 5.151 km² desmatados em 2023 e Cerrado teve 7.828 km², apontam dados do sistema Deter, do Inpe. Incêndio é um dos principais métodos de desmatamento, tanto por intervenção humana, quanto pelas condições climáticas. Foto: Gabriela Biló/Estadão
Amazônia teve 5.151 km² desmatados em 2023 e Cerrado teve 7.828 km², apontam dados do sistema Deter, do Inpe. Incêndio é um dos principais métodos de desmatamento, tanto por intervenção humana, quanto pelas condições climáticas. Foto: Gabriela Biló/Estadão
Os dados do Inpe não dizem, porém, quanto deste desmatamento é legal, e quanto é ilegal. Na floresta, a expressiva maioria da destruição é ilegal e se concentra em áreas federais, como reservas indígenas e unidades de conservação.
Já no Cerrado, há significativa perda em propriedade privadas e com aval de autoridades locais. O Ministério do Meio Ambiente e das Mudanças Climáticas estima que cerca da metade do desmate nesse bioma seja autorizado pelos Estados.
O Código Florestal protege 80% da área com cobertura vegetal nativa em propriedades privadas na Amazônia. Já no Cerrado, a lei determina a preservação de só 20%. E, no Cerrado dentro do território da Amazônia Legal, esse percentual é de 35%.
O governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem divulgado, desde o início da gestão, a pauta ambiental como uma de suas bandeiras. O trabalho da gestão tem sido visto como positivo, mas ainda aquém do necessário por especialistas.
No ano passado, o próprio Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) já havia admitido ao Estadão que a estrutura de combate ao fogo na Amazônia é insuficiente. “Obviamente, a gente tem de se planejar melhor, ter estruturas melhores”, disse Rodrigo Agostinho, presidente do órgão.
Esta semana, na terça-feira, 2, os servidores do Ibama anunciaram paralisação das suas atividades de fiscalização de combate ao desmatamento, garimpo ilegal e prevenção e combate a incêndios florestais, o que pode agravar a situação. “É uma resposta direta à falta de ação e suporte efetivo aos servidores e às missões críticas que desempenhamos”, justificaram na oportunidade.
Os eventos climáticos extremos, como os provocados pela intensificação do El Niño – entre eles, o fogo na Amazônia e no Cerrado ao longo de 2023 – também colaboram para aumentar o problema e exigem ação mais efetiva e coordenada do governo federal.
Como o Estadão mostrou, a perspectiva de receber a Cúpula do Clima das Nações Unidas de 2025, em Belém, vai aumentar a pressão sobre o governo, que deverá buscar reduções maiores no desmatamento, alinhar o discurso de unir preservação e o potencial da economia verde, além de se posicionar como liderança no debate ambiental.
Para o engenheiro ambiental Tasso Azevedo, houve mudança de perspectiva na Amazônia. “O governo voltou a fazer embargos remotos, o relatório para cada desmatamento voltou a ser usado, ou seja, o desmatamento é identificado, reportado e esse relatório gera penalizações. O financiamento é cortado pelos bancos se houver desmatamento irregular – e isso fez o desmatamento ter declínio rápido. É uma receita que sabemos que funciona”. Para ele, coordenador da rede MapBiomas, o desmate não voltará a subir na floresta, a não ser que essas estratégias sejam abandonadas.
Cerrado é essencial para equilíbrio hidrológico do País
Para Pedro Camargo Neto, ex-presidente da Sociedade Rural Brasileira e pecuarista, é “muito grande” uma taxa de 50% de ilegalidade sobre o desmate no Cerrado.
“Apresentar em conjunto dificulta a compreensão do necessário para um e para o outro tipo de desmatamento”, diz Camargo Neto. “Para o (desmatamento) ilegal, está claro o que é necessário fazer: fiscalização e polícia. Quanto ao legal, grande parte do Cerrado, ainda exige debate e o desenvolvimento de soluções. É importante conhecer, debater e não misturar com o ilegal. Se não, nunca chegaremos a uma boa solução”, afirma.
O Cerrado é fundamental para o equilíbrio hidrológico do País. Também abriga uma grande fatia da produção do agronegócio (soja e gado, por exemplo), um dos principais motores da economia, que depende da sobrevivência desse bioma para manter seus altos níveis de produtividade.
Para Tasso Azevedo, duas estratégias são fundamentais para a proteção do bioma. Uma delas é aumentar a fatia do território que tem proteção. Hoje, essa proporção está entre 12% e 14%, segundo ele. O ideal, defende, é subir para 30%.
“A segunda coisa é evitar que o financiamento subsidiado pelo governo seja usado em áreas desmatadas, seja desmatamento legal ou ilegal”, sugere.
O que diz o Ministério do Meio Ambiente?
Procurado pelo Estadão, o Ministério do Meio Ambiente afirma que “a queda do desmatamento na Amazônia é resultado da retomada da governança ambiental e climática e do fortalecimento das ações de comando e controle, após quatro anos de retrocessos”. O Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia (PPCDAm), que havia sido revogado em 2019, foi atualizado e relançando em junho de 2023.
“De janeiro a novembro, os autos de infração aplicados pelo Ibama por crimes contra a flora na Amazônia aumentaram 114% na comparação com a média para o mesmo período de 2019 a 2022?, diz o ministério. “Os embargos a desmatamento na floresta subiram 73%, as apreensões, 72%, e a destruição de equipamentos,153%, também de janeiro a novembro.”
Para o Cerrado, a pasta afirma que lançou em novembro um Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento no Cerrado (PPCerrado), elaborado com participação de 13 ministérios e 22 órgãos convidados. Nele há, entre outras medidas de apoio à preservação do bioma, uma revisão da norma de crédito rural, com restrição de acesso a crédito para quem praticar desmatamento ilegal, feita pelo Conselho Monetário Nacional.
“Antes restrita à Amazônia, a medida foi expandida para os demais biomas no ano passado e abrange embargos estaduais, além de federais”, diz a pasta. “Os planos para os demais biomas brasileiros – Caatinga, Mata Atlântica, Pampa e Pantanal – serão lançados no primeiro semestre de 2024..”
Sobre a falta de clareza sobre os dados de desmatamento em relação à legalidade e ilegalidade dos desmatamentos, o ministério diz que, como grande parte das autorizações dos Estados não está plenamente integrada ao sistema federal, “torna-se inviável a segregação automática e em escala do que é legal e ilegal, por meio do cruzamento com as informações sobre o desmatamento”.
“Isso prejudica a atividade de fiscalização suplementar do desmatamento ilegal, que é realizada pelo Ibama”, reconhece a pasta. “Estuda-se a integração das bases de dados dos Estados com o governo federal em projeto financiado pelo Fundo Amazônia”, diz. / COLABOROU FABIO GRELLET