Especialistas cobram que Flávio Dino vá além de 'revogaço' de decretos sobre armas
Politica
Publicado em 25/12/2022

Para eles, futura gestão precisa adotar medidas para diminuir armamento em poder da população

 

BRASÍLIA - Anunciada até agora como eixo principal no pacote de medidas contra a política armamentista de Jair Bolsonaro, a revogação de decretos que o governo eleito pretende fazer em 2023 ataca apenas parte do descontrole sobre a circulação de armas no país, dizem especialistas.

 

Eles afirmam que a derrubada dos decretos presidenciais e de outros instrumentos legais reverterá o acesso às armas facilitado pelo atual governo, mas as medidas sugeridas pela futura gestão não avançam quanto ao estoque atualmente em poder da população.

 

O número de armas de fogo nas mãos de CACs (caçadores, atiradores e colecionadores) chegou a 1 milhão em julho deste ano. O aumento foi de 187% em relação a 2018.

 

A equipe de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sugere a derrubada de oito decretos de Bolsonaro e de uma portaria conjunta das pastas da Justiça e da Defesa. O conjunto total de atos que ampliou a quantidade de armas em poder da população é superior a 40, se consideradas instruções do Exército e da Polícia Federal.

 

"Sugere-se uma revisão rigorosa do conjunto de atos normativos que desmontou a política pública de controle das armas no país", afirma o relatório final do governo de transição divulgado na última quinta-feira (22).

 

O documento acusa a atual gestão de conduzir o país a retrocessos como "o desmonte da política de controle de armas" e que muitas das mudanças promovidas pelo Executivo invadiram a competência do Congresso Nacional.

 

O governo Bolsonaro editou 17 decretos, 19 portarias, duas resoluções, três instruções normativas e dois projetos de lei que flexibilizam as regras de acesso a armas e munições. Os CACs têm sido os principais beneficiados.

 

O futuro ministro da Justiça, Flávio Dino, explicou que, em um só ato, Lula revogará decretos do governo anterior e editará novas regras para que se avance "no que é uma regulação que seja mais responsável".

 

Uma pesquisa do Datafolha mostrou que 63% da população considera que pessoas comuns não poderiam ter acesso a armas iguais ou mais potentes que a de policiais. Para o pesquisador e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública Ivan Marques, o governo eleito "olha o assunto pelo retrovisor".

 

"É um dever de ofício do novo governo rever toda essa regulamentação, revogála para resgatar o espírito da lei de 2003 [Estatuto de Desarmamento], mas não foi apontada uma solução para o estoque [de armas] hoje em poder da população", disse.

 

Marques sentiu falta no diagnóstico do governo de transição de indicações sobre como a futura gestão pretende, por exemplo, fortalecer órgãos encarregados da fiscalização, segundo ele altamente precarizados pela falta de recursos orçamentários. O pesquisador lembrou também que no cadastro de armas de fogo administrado pela Polícia Federal há mais de 1 milhão de registros vencidos e é preciso saber seu paradeiro.

 

"Essas armas em circulação representam um risco para os próprios agentes de segurança", afirmou. "O governo eleito ainda precisa dizer o que será feito para uma política de armas no país." Além da "revogaço", integrantes do grupo da Justiça e Segurança Pública na transição indicaram nas últimas semanas alguns pontos especulados para constar do pacote de medidas.

 

Estaria nos planos barrar a compra de pistolas 9 mm, criar um QR Code para fiscalizar clubes de tiro e acabar com o porte de trânsito de CACs. O porte de trânsito autoriza o CAC a andar com a arma municiada do local de guarda até o clube de tiro ou de caça.

 

Na visão de pessoas que participam das discussões na equipe de transição, a normativa virou um porte de armas camuflado. Para Bruno Langeani, gerente de projetos do Instituto Sou da Paz, até pelo teor de declarações feitas pelo próximo titular da Justiça, o governo eleito ainda deve tratar do "passivo", em temas como recadastramento de armas mais potentes e eventual programa de recompra.

 

Quanto ao "revogaço", Langeani afirmou que a iniciativa aponta para uma "reorganização dos decretos e portarias que hoje estão pulverizados e fragmentados de forma caótica".

 

"Os institutos indicados para revogação tratam de itens já anunciados por Flávio Dino como revisão de quantidades de armas e munições, redução de potência de armas permitidas, proibição de fuzis para civis e depuração da atividade dos CACs, mantendo na categoria apenas pessoas que de fato se dedicam a caça, coleção e tiro esportivo", afirmou o representante do Instituto Sou da Paz.

 

Principal lobby armamentista do país, o Pro-Armas promete resistir ao "revogaço" e trabalhar no Congresso para desidratar ainda mais o Estatuto do Desarmamento.

 

Para o presidente do grupo, o deputado eleito Marcos Pollon (PL-MS), retirar armas das mãos dos cidadãos seria algo antidemocrático. "Confisco seria uma medida extremamente autoritária. Não se pode falar em democracia e confisco na mesma frase, isso é ditatorial", afirmou.

 

De acordo com ele, não haveria lógica por parte do governo que chega interferir em um setor que gera 3 milhões de empregos. Ivan Marques, do Fórum Brasileiro, avalia que o movimento perde fôlego, já que a principal voz no discurso armamentista deixará a Presidência da República em 1º de janeiro.

 

Fonte: Folha de São Paulo

 

 

 

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