Decreto beneficia 69 policiais militares condenados pela morte de 111 detentos há 30 anos
Por Jussara Soares — Brasília
O presidente Jair Bolsonaro utilizou o seu último decreto do indulto de Natal para incluir o perdão para agentes de forças de seguranças condenados por crimes há mais de trinta anos. Com a medida, Bolsonaro, a nove dias de encerrar o mandato, perdoa policiais envolvidos no Massacre do Carandiru, que deixou 111 presos mortos durante uma invasão da Polícia Militar em outubro de 1992.
Este trecho não constava nos indultos natalinos concedidos por Bolsonaro nos três anos anteriores. O decreto diz que o indulto será concedido a agentes de segurança pública "que, no exercício da sua função ou em decorrência dela, tenham sido condenados, ainda que provisoriamente, por fato praticado há mais de trinta anos, contados da data de publicação deste Decreto, e não considerado hediondo no momento de sua prática.
O Massacre do Carandiru completou 30 anos em outubro deste ano. A lei de crimes hediondos é de 1990, mas a inclusão de homicídios qualificados nesta classificação só ocorreu em 1994. Portanto, o indulto natalino beneficia os 69 policiais militares condenados pelo crime.
Para integrantes do Ministério Público, o texto não deixa dúvidas sobre o favorecimento aos PMs condenados no Massacre do Carandiru.
Em novembro deste ano, a Justiça de São Paulo negou mais uma tentativa da defesa dos policiais militares suspender o processo que pode levá-los à prisão.
A defesa dos 69 militares já condenados pela morte de 111 detentos queria que a análise das apelações apresentadas ao Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) fosse suspensa até que o Supremo Tribunal Federal (STF) concluísse o julgamento de uma ação que tentar reverter a condenação dos militares ou “até a superação da polarização política existente no país”.
Os integrantes da 4ª Câmara Criminal do TJSP negaram, por unanimidade, o pedido. O relator do caso, desembargador Roberto Porto, chegou a comentar que a polarização política vivida no Brasil não prejudica a “imparcialidade, serenidade e neutralidade do julgamento” conduzido pelo TJSP. Completam a turma julgadora os desembargadores Camilo Léllis e Edison Brandão.
Apesar da decisão tomada, o julgamento foi suspenso por conta de um pedido de vistas feito pelo desembargador Brandão. Não há data definida para a retomada da análise das apelações.
Três décadas de julgamento
O massacre do Carandiru aconteceu há 30 anos, quando a PM invadiu o presídio, no dia 2 de outubro de 1992, para conter uma rebelião. Ao final da operação, 111 detentos estavam mortos. O governador de São Paulo à época era Luiz Antônio Fleury Filho, que faleceu em novembro. Quatro dos policiais condenados também já morreram.
Em agosto passado, o ministro Luís Roberto Barroso, do STF, rejeitou um recurso apresentado pela defesa dos policiais que tentava reverter a condenação dos policiais.
Em 2018, o TJSP chegou a anular as condenações aplicadas aos policiais envolvidos, sob argumento que elas contrariavam as provas apresentadas durante o julgamento. A Corte pediu até um novo julgamento por Tribunal do Júri. Em agosto de 2021, porém, por unanimidade, as condenações foram confirmadas pela 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), abrindo caminho para a execução das penas, que variam de 48 anos a 624 anos.
A decisão do STJ foi tomada em recurso apresentado pelo Ministério Público de São Paulo, que argumentou que houve uma execução durante a ação no Carandiru porque os presos já tinham sido rendidos quando os policiais entraram atirando no presídio. Os policiais alegaram legítima defesa.
Tentativa de anistia
A decisão do ministro Barroso, do STF, foi tornada pública um dia depois que a Comissão de Segurança da Câmara dos Deputados aprovou um projeto que anistia os policiais militares processados e punidos pelo massacre.
Para virar lei, no entanto, o projeto precisa passar por outras etapas na Câmara e no Senado. Na Câmara, o projeto de anistia foi apresentado pelo deputado Capitão Augusto (PL-SP) e relatado pelo bolsonarista Sargento Fahur (PSD-PR). Eles argumentam que os policiais sofreram “perseguições” políticas e ideológicas.
Fonte: O globo