Jovem morto por leoa acreditava que iria à África para “domar leões”
Dos irmãos, Gerson foi o único que não encontrou uma família adotiva
Por Administrador
Publicado em 02/12/2025 00:10
Politica

O jovem ao lado da conselheira (Foto: Reprodução)

 

A morte de Gerson de Melo Machado, de 19 anos — conhecido como “Vaqueirinho” — após invadir a jaula de uma leoa no fim da tarde de domingo (30/11), em João Pessoa (PB), trouxe à tona uma história atravessada por abandono, pobreza extrema e transtornos mentais não tratados. As informações foram reveladas pela conselheira tutelar Verônica Oliveira. 

Segundo Verônica, que acompanhou Gerson durante oito anos, o rapaz cresceu praticamente sozinho e carregava desde a infância um sonho constante: viajar para a África para “domar leões”. A conselheira diz estar “arrasada” com o desfecho. “Foi uma criança que sofreu todo tipo de violação de direito. Filho de uma mãe com esquizofrenia, com avós também comprometidos na saúde mental, vivia numa pobreza extrema”, relatou.

Infância interrompida e abandono familiar

A primeira intervenção do Conselho Tutelar ocorreu quando Gerson tinha apenas 10 anos. Ele foi resgatado pela Polícia Rodoviária Federal enquanto caminhava sozinho por uma rodovia federal. A partir dali, tornou-se um caso acompanhado pela rede de proteção, numa rotina de idas e vindas entre o abrigo e os poucos vínculos que tentava reconstituir.

 

Mesmo tendo perdido o poder familiar, a mãe continuava sendo procurada por ele. “Ele, embora estivesse destituído, amava a mãe e sonhava que ela conseguisse cuidar dele. Evadia do abrigo e ia direto para a casa da avó e da mãe”, contou Verônica. Mas a família, fragilizada por doenças mentais e vulnerabilidade profunda, não conseguia oferecer suporte. “Ela muitas vezes foi levá-lo ao conselho e dizia que não era mais mãe dele e queria devolvê-lo. Ela também é vítima da mente doente.”

Dos irmãos, Gerson foi o único que não encontrou uma família adotiva — algo que, segundo a conselheira, revela outra face do problema. “Justamente por ter possível transtorno. A sociedade quer adotar crianças perfeitas, coisa impossível dentro do acolhimento institucional, onde só chegam diante de negligência extrema.”

O sonho insistente: “domar leões”

Apesar das dificuldades, Gerson repetia ao longo dos anos uma fantasia que, para ele, tinha o peso de um propósito. Ele dizia que queria ir para a África, trabalhar em safáris e “domar leões”. O sonho chegou a provocar episódios de risco. Em um deles, o adolescente tentou acessar clandestinamente o trem de pouso de um avião. O caso foi relatado por Verônica nas redes sociais.

Você dizia a mim que ia pegar um avião para ir para um safari na África para cuidar dos leões. Você ainda tentou, mas agradeci a Deus quando fui avisada pelo aeroporto que você tinha cortado a cerca e tinha entrado no trem de pouso do avião da Gol. Dei graças a Deus, porque observaram pelas câmeras que havia um adolescente, antes que uma desgraça acontecesse”, escreveu.

Para a conselheira, o ataque deste domingo encerra uma vida que nunca recebeu o amparo necessário. “A história dele é a de um menino que só queria conhecer a África para domar leões. Percebeu tarde demais que a leoa não era uma gata e que não conseguimos domá-la sem conhecimento. Mas ele não tinha juízo suficiente para isso”, lamentou.

Diagnóstico tardio e rede de proteção limitada

Embora estivesse sob acompanhamento desde a infância, Gerson só teve seus transtornos oficialmente reconhecidos ao ingressar no sistema socioeducativo. “Por oito anos, tudo que o conselho podia fazer foi feito”, reforçou Verônica. A falta de diagnóstico precoce e a ausência de estrutura familiar agravaram ainda mais o quadro de vulnerabilidade do jovem.

A tragédia no zoológico, portanto, não é vista apenas como um ato impulsivo, mas como o episódio final de uma vida marcada por negligência, adoecimento e um sonho infantil que nunca pôde ser atravessado pelo cuidado.

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