FONTE: ISTOÉ DINHEIRO
As movimentações financeiras do prefeito de Rosário, Calvet Filho (PSC), e de seus parentes, com valores sem origem identificada, levaram o Ministério Público do Maranhão a ajuizar ação civil pública por suposto ato de improbidade administrativa do gestor municipal. Familiares dele e empresas ligadas aos Calvet também são citadas na ação, ao lado de sócios de outras companhias que firmaram contratos com a administração municipal.
A reportagem pediu manifestação do prefeito na quinta-feira, 5, e na sexta, 6, por e-mails enviados à Secretaria de Comunicação. O espaço está aberto.
As investigações da Promotoria indicam que a filha mais velha do prefeito estuda Medicina em uma faculdade particular de São Luís, cuja mensalidade é de R$ 12.626,00. A outra filha estuda em uma escola com mensalidade de R$ 2.800,00.
A soma das duas parcelas mensais supera o valor da remuneração bruta de R$ 15 mil do gestor. O valor líquido recebido por ele é de R$ 11.108,38.
No registro de candidatura, em 2020, o prefeito declarou não possuir bens em seu nome. As investigações revelam ‘gastos incompatíveis com os rendimentos’.
“O mesmo ocorre com seus familiares, que igualmente demonstraram evolução patrimonial acelerada, acentuada a partir da eleição de Calvet Filho”, afirma a promotora Maria Cristina Lobato.
A ação aponta, ainda, que em 2020, o prefeito de Rosário recebeu seis parcelas do auxílio emergencial destinado a pessoas de baixa renda: cinco parcelas de R$ 600 e uma de R$ 300.
Segundo a Promotoria, o objetivo da ação é garantir eventual ressarcimento de R$ 3,3 milhões de danos que teriam sido causados e pagamento de multa. O MP pede à Justiça que determine, liminarmente, a indisponibilidade dos bens do prefeito e de seus familiares e a condenação de todos ‘por improbidade administrativa que resultou no enriquecimento ilícito dos mesmos’.
São citados na ação a mulher do prefeito, Francisca Estela Calvet, o irmão, Jonatha Calvet, e a cunhada, Dulcimary Bezerra Desterro. Quatro empresas e o sócio de uma delas também figuram no polo passivo da ação por suspeita de terem colaborado com esquema de lavagem de dinheiro.
A ação é subscrita pela promotora de Justiça de Rosário Maria Cristina Lobato, e pelos promotores do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate às Organizações Criminosas (Gaeco) Ana Carolina Mendonça, Fernando Berniz Aragão e Marcos Valentim Pinheiro Paixão.
De acordo com a promotora Maria Cristina, que tem atuação na defesa do patrimônio público e da probidade administrativa, a investigação foi iniciada em 2023 após o Ministério Público ‘tomar conhecimento de fatos que indicavam enriquecimento ilícito do prefeito Calvet Filho e do irmão Jonatha Calvet, em conluio com pessoas físicas e jurídicas’.
A promotora destaca que, como Calvet Filho possui foro privilegiado, os fatos foram comunicados ao procurador-geral de justiça para adoção de possíveis providências na esfera penal.
No âmbito da Promotoria de Justiça, as apurações foram realizadas nas áreas cível e administrativa, em atuação conjunta com o Gaeco.
EVOLUÇÃO PATRIMONIAL
Segundo a Promotoria, indícios de enriquecimento ilícito foram confirmados pela comunicação de ‘movimentação financeira atípica’ feita pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).
O Relatório de Inteligência Financeira (RIF) encaminhado pelo Coaf indicou duas comunicações envolvendo Dulcimary Desterro, cunhada do prefeito.
A primeira foi a operação com pagamento no valor de R$ 50 mil em espécie registrada no cartório do 2º Ofício de Rosário em que ela figura como compradora de um imóvel em 2021. A segunda foi um depósito em espécie no valor de R$ 50 mil em que a Farmacenter Comércio figura como titular e Dulcimary como responsável e depositante.
Ainda de acordo com as investigações, Leonardo Lima foi sinalizado pelo Coaf no monitoramento sistêmico de prevenção à lavagem de dinheiro ‘por ter movimentações atípicas’ concentradas com a empresa C A Santos Eireli, que era responsável pela maioria de seus créditos e tinha três contratos, entre 2022 e 2023, com as Secretarias de Assistência Social, Administração e Recursos Humanos, Educação e Saúde de Rosário, com valores que ultrapassam R$ 700 mil.
Leonardo Lima repassou valores para a Farmacenter Comércio, da qual Jonatha Calvet é proprietário.
“Tal situação indica que Jonatha Calvet recebeu valores da empresa contratada pelo município de Rosário, qual seja a C A Eireli, e que Leonardo Lima é apenas um intermediário para mascarar o vínculo direto entre aqueles”, afirmam os promotores na ação civil pública.
Na avaliação dos promotores, Calvet Filho e Jonatha Calvet ‘tiveram um aumento significativo de patrimônio desde 2021, primeiro ano do mandato da atual gestão na cidade de Rosário’.
“Os créditos referentes aos salários dos dois constituem um percentual pequeno do total do dinheiro nas contas deles, que, em sua maioria, são de origem desconhecida ou advindas da Farmacenter, a qual, por sua vez, é alimentada por pessoas ligadas a empresas que contratam com o município”, destaca o MP.
A Promotoria assinala, ainda, que as notas fiscais emitidas em nome do prefeito e da mulher dele, Francisca, ‘ultrapassam a renda oficial do casal’.
A ação ressalta que, antes de ser eleito, Calvet Filho não tinha outra fonte de renda e nem ‘patrimônio prévio’, chegando a receber auxílio emergencial em 2020, assim como a mulher e o pai dele, José Nilton Pinheiro Calvet.
Sobre Jonatha Calvet, a Promotoria também identificou ‘essa desproporção’. “Não tinha vínculo empregatício, nem ocupava cargo público, figurando somente como sócio das mencionadas farmácias, que passaram a ser utilizadas para receber dinheiro de empresas contratadas pelo município de Rosário até chegarem às mãos dos irmãos Calvet e cônjuges.”
DEPÓSITOS SEM ORIGEM IDENTIFICADA
Após decisão judicial que autorizou a quebra do sigilo bancário dos investigados, a Promotoria fez relatório de análise bancária pelo Laboratório de Tecnologia contra Lavagem de Dinheiro (LAB-LD/MP-MA). A partir daí, o Ministério Público do Maranhão constatou que, entre os anos de 2021 e 2023, Calvet Filho recebeu pelo menos R$ 1,32 milhão em sua conta bancária – 70% desse valor é formado de depósitos sem origem identificada.
O dinheiro não identificado foi recebido, em grande parte, por 448 depósitos com valor máximo de R$ 10 mil cada um. “Em clara tentativa de, por um lado, obstar a rastreabilidade da origem dos montantes e, por outro, evitar a comunicação do Coaf quanto a transações atípicas”, relata o grupo de promotores na ação.
As mesmas irregularidades, afirma o MP, foram constatadas na conta da primeira-dama Francisca Estela Calvet: ela recebeu mais de R$ 751 mil, entre 2021 e 2023, em recursos não rastreáveis, correspondendo a 77% de valores sem origem identificada.
Jonatha Calvet, que é assessor-chefe de Assuntos Institucionais de Rosário, recebe salário bruto de R$ 6.750,00, ‘mas a movimentação financeira é incompatível com os rendimentos e com o porte da Farmacenter, da qual ele é sócio’.
Nos três primeiros anos da gestão municipal, Jonatha recebeu R$ 1 milhão e 36 mil em sua conta bancária.
Dulcimary Desterro, a cunhada do prefeito, movimentou mais de R$ 540 mil no período de 2021 a 2023. Ela recebeu uma série de depósitos de empresas que possuem contratos com a administração municipal rosariense.
O Ministério Público avaliou a movimentação financeira da Farmacenter. O Relatório de Análise Bancária ‘detectou indícios de que a conta da empresa é usada como conta de passagem’.
Foram identificados 408 depósitos em dinheiro. Cada depósito não ultrapassou o valor de R$ 9 mil, muitos fracionados no mesmo dia, totalizando R$ 521.643 mil.
Jonatha Calvet recebeu da Farmacenter, em 2022, R$ 184.787 mil. “A maior parte dos créditos é desconhecida, indicando que a Farmacenter serve de álibi para justificar os ganhos do irmão do prefeito”, diz um trecho da ação.
COM A PALAVRA, O PREFEITO CALVET FILHO E OS OUTROS CITADOS
A reportagem do Estadão pediu a versão do prefeito de Rosário, Calvet Filho via e-mails enviados à Secretaria de Comunicação da prefeitura de Rosário. O espaço está aberto também para todos os outros citados na ação civil pública da Promotoria.