Avaliação de especialistas tocantinenses é de fortalecimento do direito das mulheres para evitar mais casos de violações das pacientes
A 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou na terça-feira, 14, que um médico não pode acionar a polícia para investigar pacientes que procuram atendimento e afirmam ter realizado um aborto fora da previsão legal. Especialistas do Tocantins comentaram a decisão dos magistrados.
A advogada especialista em direito médico, Kelly Cristina Martins, afirma que a determinação reforça o próprio código de ética dos profissionais. “É a primeira decisão pública que nós temos e que fortalece o Código de Ética Médica, no sentido de que é vedado ao médico expor a sua paciente e trazer dados, denunciar ou até mesmo participar como testemunha, ainda mais no caso de aborto”.
A especialista entende que a decisão fortalece a proteção da mulher, a fim de evitar que mais casos de violações de pacientes pelo médico ocorram.
“Quando ele fala especificamente de aborto, a decisão deixa estabelecido de que o medico não pode se apresentar como um acusador da paciente, até porque isso não é um papel dele, a função dele é oferecer o atendimento médico e não servir de acusação para a paciente, porque isso é antiético na profissão”.
A professora e coordenadora do Observatório Feminista (Outras) da Universidade Federal do Tocantins Gleys Ramos reforça a decisão como “salvaguarda” para as mulheres que precisam da garantia dos seus direitos, mas que o tema ainda é tratado com pouca profundidade.
“Reforço que como pesquisadora, ao fazer esse debate eu acabo colocando um alvo muito provavelmente sobre a minha testa porque pensando inclusive na relação que o Brasil tem com o tema que não é o debate de saúde pública como deveria ser, mas um debate ora judicializado, ora religioso, isso acomete uma situação de clandestinidade. O aborto no Brasil é praticado de maneira insegura”.
Com a determinação, o STJ encerrou uma investigação aberta contra uma mulher que tomou medicamento abortivo e estaria com 16 semanas de gestação. Após realizar o atendimento, o médico chamou a polícia, foi testemunha no processo e ainda enviou o prontuário da paciente como prova para as investigações. Os ministros do STJ argumentaram que, nesse tipo de situação, o médico precisa seguir o sigilo profissional.
A advogada especialista em direito das mulheres Karol Chaves ressalta que o caso citado pela determinação, poderia inclusive ser de caso de estupro. “O caso está sob segredo de Justiça e não fica evidente se a gravidez adveio de um estupro, por exemplo. De qualquer forma, esta é uma decisão que gera precedente e pode beneficiar outras mulheres”.
Ela lembra ainda que apesar de não ser legalizado o abordo, a decisão beneficia principalmente mulheres negras que não tem condições financeiras de realizar um aborto de maneira segura.
“Independente de ser legalizado, o aborto continua sendo praticado por mulheres há centenas de anos, no entanto, são as mulheres negras e as mulheres mais pobres que sofrem as ações penais, uma vez que as mulheres que tem condições financeiras realizam abortos de maneira segura em clínicas que cobram muito por este serviço e não são acessíveis a todas que precisam”.
A advogada destaca que a maternidade não se trata de destino “nem pode ser imposta como uma obrigação e que se a gravidez é uma experiência da vida das mulheres, interromper a gestação também”. O aborto é permitido no Brasil quando há risco de morte para a mulher por causa da gravidez, se a gestação foi provocada por estupro ou se o feto é anencéfalo, ou seja, sem cérebro.
Fonte: Jornal do Tocantins