Mauro Carlesse, em foto de campanha nas eleições 2022 (Foto: Wilson Rodrigues/Divulgação)
Decisão do juiz Márcio Cunha, 342 dias após denúncia do Gaeco (MP) não menciona pedido de prisão do ex-governador, delegado Enio Walcacer e mais sete policiais civis feito por promotores. Os réus serão notificados para apresentar defesa.
Exatos 342 dias após terem sidos denunciados pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (GAECO) do Ministério Público do Tocantins (MPTO) por organização criminosa, abuso de autoridade, tráfico de drogas, associação para o tráfico e denunciação caluniosa (falso flagrante), o exgovernador Mauro Carlesse (Agir) e mais oito membros da Polícia Civil do Tocantins se tornam réus por associação criminosa.
O judiciário tocantinense levou quase um ano para definir de quem era a competência para julgar a ação, inicialmente distribuída para a 4ª Vara Criminal de Palmas, que a remeteu para a 2ª Vara Criminal de Gurupi.
Depois, a 2ª Vara Criminal de Gurupi declinou a competência para 1ª Vara Criminal, também de Gurupi, que declinou a competência para a 4ª vara Criminal de Palmas, o que levou o Ministério Público a pedir que o Tribunal de Justiça decidisse quem deveria julgar.
Finalmente, em setembro deste ano, o tribunal fixou a 3ª Vara Criminal como competente para o caso.
São réus: O delegado Enio Wálcacer Oliveira Filho, 42 anos;
Os policiais civis:
Antônio Martins Pereira Júnior, o “A. Júnior” (38 anos);
Carlos Augusto Pereira Alves, o “Bolinha” (38);
Santhiago Araújo Queiroz de Oliveira (40);
O escrivão Victor Vandré Sabará Ramos (39).
Os agentes:
José Mendes da Silva Junior (38);
Marco Augusto Velasco Nascimento Albernaz (44) e;
Ricardo José de Sá Nogueira, o “Pernambuco” (49).
A decisão que coloca os nove no banco dos réus é do juiz Márcio Soares da Cunha, do dia 8 de novembro.
O magistrado afirma que a denúncia ministerial preenche os requisitos do Código de Processo Penal ao descrever de forma circunstanciada os fatos criminosos imputados aos acusados.
Também ressalta que a petição inicial "está apoiada em elementos indiciários suficientes a inferir a existência de justa causa para se dar início à persecução penal".
Com a decisão, o juiz Cunha determinou a citação dos réus para apresentarem suas respostas, por escrito, por meio de advogado, no prazo de 10 dias. Nessa resposta preliminar, os réus podem "alegar tudo o que interessa a sua defesa, oferecer documentos e justificações, especificar as provas pretendidas e arrolar testemunhas".
Relembre o que diz a denúncia
Eles são acusados de formar uma organização criminosa entre abril e junho de 2020, de conduzir uma investigação policial clandestina sobre um suposto caso extraconjugal da então ex-primeira-dama do Estado e de traficar cocaína de Palmas a Gurupi, para forjar um flagrante, por tráfico de drogas, contra um DJ apontado como responsável pela divulgação do vídeo com cenas da suposta traição.
A denúncia completa está no arquivo em PDF no final da matéria.
O caso apareceu durante a Operação Éris, da Polícia Federal, que investigou o aparelhamento da Polícia Civil no governo de Carlesse, em outubro de 2021.
Assinada por cinco promotores, a denúncia afirma que após a divulgação do vídeo da ex primeira-dama, Carlesse usou o aparelhamento estatal para descobrir os responsáveis pela produção e divulgação do vídeo em redes sociais. Conforme a denúncia, por determinação do ex-governador, policiais militares ligados à Casa Militar, um agente da Polícia Civil lotado na Governadoria e agentes distribuídos pela Secretaria de Administração, Secretaria da Segurança Pública, Núcleo de Inteligência do Departamento Estadual de Trânsito (Detran) e Delegacia de Narcóticos (Denarc) iniciaram a investigação para descobrir o autor do vídeo, sem nenhum procedimento oficial, ou seja, de forma clandestina.
Provas encontradas no cofre do governador
Na deflagração da Operação Éris, policiais federais encontraram celulares do suposto amante e a mulher dele, moradores de Gurupi, ilegalmente apreendidos na operação clandestina, além de relatórios e outros documentos relativos ao caso, em poder de Mauro Carlesse em um cofre dentro do Palácio Araguaia, sede do Executivo.
Um dos relatórios que estavam no cofre, segundo a Polícia Federal, foi criado pelo escrivão Victor Sabará. Um HD também apreendido continha pelo menos 9 arquivos de áudio, de escutas ambientais, com os “interrogatórios” de alvos dos policiais, entre eles a mulher e o marido dela, suspeito de ter tido o caso, o pai dele.
Caminhonete oficial usada no flagrante de drogas
Conforme a denúncia, os agentes utilizaram uma caminhonete reservada pela Governadoria para ir a Gurupi diversas vezes para monitorar o DJ, afirmam os promotores. O veículo era abastecido com a senha do policial Bolinha.
Durante a investigação, a Polícia Federal descobriu que a picape cruzou o posto da Polícia Rodoviária Federal em Gurupi nos dias 27 e 18 de maio, o mesmo período relatado pelos vizinhos do alvo do falso flagrante.
Em uma dessas viagens, os envolvidos levaram drogas e ocultaram porção de cocaína na carenagem da motocicleta do DJ e porções de cocaína, de maconha e uma balança de precisão, em um vaso de planta no quintal da casa do DJ.
Por esta ação, o Ministério Público acusa Carlesse, Enio Wálcacer, Bolinha e Júnior de “associaram-se para o fim de praticar o crime de tráfico de drogas”.
De acordo com a denúncia, o agente Antônio Júnior comunicou a Polícia Militar em Gurupi sobre o suposto traficante e o DJ acabou abordado pela Força Tática. No relatório, citado pelos promotores, os militares informaram que o flagrante se baseou em informações da Denarc de Palmas.
Ernandes da Silva Araújo Júnior, o DJ Juninho, ficou preso por 13 dias, após o flagrante, concretizado dia 11 de junho de 2020, um mês depois da criação do núcleo de inteligência do Detran.
O flagrante também foi investigado pela Polícia Civil em Gurupi. Neste inquérito, além do laudo sobre as substâncias, que concluiu ter pó que não era cocaína, documentos indicando que o muro da casa do DJ havia sido escalado, os vizinhos do DJ afirmaram aos investigadores que conheciam Ernandes há muito tempo e nunca tiveram conhecimento do envolvimento dele com o tráfico de drogas.
Estes vizinhos fotografaram os veículos usados pelos policiais para monitorar o DJ. Com os dados, policiais descobriram que eram carros a serviço da Denarc e da Governadoria.
A Polícia Civil de Gurupi desconfiou de que o flagrante era forjado e questionou a Denarc de Palmas. Segundo os promotores, o delegado chefe e antigo diretor de Estratégia e Inteligência da SSP, Enio Wálcacer informou que Ernandes Júnior “teria uma possível ligação com o tráfico de cocaína em Gurupi, cujo envolvimento teria sido identificado em levantamentos de campo no interesse da Operação Bobfall”, em andamento na Denarc.
A partir deste episódio do falso flagrante, o Ministério Público acusa os nove de se unirem para formar uma “organização criminosa com a finalidade de praticar crimes de abuso de autoridade, tráfico de drogas e denunciação caluniosa”.
No dia 16 de março deste ano, a justiça estadual em Gurupi concluiu que "não houve crime algum" por parte do empresário Ernandes da Silva Araújo Júnior, o DJ Juninho, "nem mesmo posse de drogas para consumo pessoal".
Após os trabalhos da investigação clandestina, de acordo com a denúncia, José Mendes da Silva Júnior, Carlos Augusto Pereira Alves e Antônio Martins Pereira Júnior, foram prestigiados financeiramente pelo governador com lotações melhores e acesso à gratificações, no Núcleo de Inteligência do Departamento de Trânsito, e na Secretaria da Administração, caso do escrivão Victor Vandré Sabará Ramos, em desvio de função.
Pedido de prisão preventiva dos réus é ignorado na decisão
O juiz, porém, não citou em nenhum lugar de sua decisão o pedido de prisão preventiva do ex-governador e dos demais alvos, feito pelo Ministério Público, no dia 1º de dezembro de 2022, data do protocolo da ação criminal. Naquela data, ao apresentar a denúncia, o Gaeco protocolou uma petição à parte com 11 páginas com o pedido de prisão.
Os promotores representam pela prisão preventiva dos nove réus e citam como fundamentos a garantia da ordem pública; a garantia da ordem econômica; conveniência da instrução criminal e assegurar a aplicação da lei penal.
Segundo os promotores, no caso concreto, há necessidade de decretação da segregação cautelar para garantia da ordem pública.
Além da “gravidade dos crimes denunciados”, o grupo de promotores lembra que Carlesse e mesmo os demais policiais respondem a outras ações penais, a exemplo decorrentes das operações Hygea (propina Plansaúde), Éris (aparelhamento da Polícia Civil) e Caninana (Grupo de extermínio).
“Suas prisões cautelares se justificam para a garantia de que todas as organizações criminosas integradas por esses agentes sejam desarticuladas”, justificam os promotores, no pedido.
O Gaeco também defende que os denunciados “possuem personalidades altamente voltadas para a criminalidade” e as prisões são “absolutamente necessárias para estancar a sangria delitiva por eles promovida, bem como para trazer tranquilidade social”.
“Manter em liberdade agentes com tamanho histórico criminoso, é fator que causa imenso descrédito ao Poder Judiciário. Registre-se, ainda, de maneira clara e evidente, que a liberdade de todos os denunciados colocará em risco extremo e elevado a conveniência da instrução criminal”, concluem.
O que diz a defesa dos réus
A banca de advogados tocantinense que representa o ex-governador Carlesse no processo, pediu que o JTo contactasse a banca do Distrito Federal, que coordena a defesa. Feito o pedido, não houve resposta.
Santhiago Araújo, defendido por Raphael Ferreira Pereira, afirma ser inocente das imputações que lhe são atribuídas pelo Gaeco. “Não há provas nos autos que indiquem qualquer forma de envolvimento do réu nos eventos objeto da investigação na ação penal em questão”, afirma a defesa.
O advogado destaca manifestação do desembargador Eurípedes Lamounier, do Tribunal de Justiça do Tocantins, em habeas corpus impetrado pela defesa. No evento 15 do processo, a defesa observa que o desembargador “consigna que os Relatórios emitidos pela Polícia Federal e as Manifestações da Procuradoria da República não lograram êxito em encontrar qualquer menção sobre eventual participação do Paciente [Santhiago Araújo] nos eventos delineados na denúncia".
“Firmamos a convicção acerca da inocência do senhor Santhiago e depositamos confiança no sistema judiciário, que, ao desfecho, lhe conferirá absolvição”, ressalta o advogado.
Na defesa de Victor Sabará e Marco Velasco, o advogado Juvenal Klayber afirma que os dois são inocentes. “Como os policiais civis e delegados acusados de grupo de extermínio e provaremos a inocência”, disse.
A defesa de Antônio Martins Pereira Júnior e Carlos Augusto Pereira Alves, feita pelo advogado Antonio Ianowich disse estar “tranquila” com a ação por confiar no judiciário tocantinense “para corrigir os absurdos propostos pelo Ministério Público e por parte da polícia civil”.
“Ao final provarei a inocência de meus clientes de mais essa palhaçada e ação fajuta proposta contra eles”, completa o advogado.
O advogado Paulo Roberto, da defesa do delegado Enio Walcacer disse que ainda não teve acesso ao processo e aguarda "tomar conhecidmento da denúncia" para se pronunciar.
Fonte: Jornal do Tocantins