'Penduricalhos' elevam impacto da medida, e texto permite que comissões da Câmara e do Senado indiquem programas que receberão R$ 75 bilhões
Por Manoel Ventura Fernanda Trisotto Bruno Góes e Natália Portinari — Brasília
O Senado aprovou na noite da quarta-feira (07) a "Pec da Transilão", que libera espaço no Orçamento de 2023 para as promessas de campanha de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Em troca de votos, contudo, o Senado ampliou “penduricalhos” à proposta que podem elevar o impacto da medida a R$ 205,1 bilhões, segundo técnicos do Congresso. Além disso, o texto empodera o Congresso Nacional no ano que vem sobre o destino do espaço fiscal aberto com a proposta.
O texto permite que as comissões permanentes da Câmara e do Senado também decidam a alocação das despesas que serão permitidas com a PEC, ao contrário da proposta original, que dava este poder apenas à equipe do governo de transição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O relator do Orçamento de 2023 também terá esse poder.
Na prática, a PEC ampliou o teto de gastos em R$ 145 bilhões — e permite R$ 23 bilhões de investimentos fora da regra fiscal, além de outros “penduricalhos”. Parte deste valor do novo teto será usado para manter o Bolsa Família em R$ 600, e, no fim das contas, haverá a abertura de espaço de R$ 75 bilhões que poderão ser destinados a outras promessas de campanha, como o aumento real do salário mínimo.
É sobre este espaço que o futuro governo do PT terá que dividir a indicação de alocação com deputados e senadores, por causa da nova redação da PEC.
O texto da 'PEC da Transição' segue agora para a Câmara dos Deputados.
A PEC diz que o espaço fiscal aberto poderá ser usado para atender às demandas da equipe de transição e das comissões permanentes da Câmara e do Senado (como os colegiados que tratam de transporte e infraestrutura).
Essa divisão entre Executivo e Congresso para a definição da alocação é o padrão em debates orçamentários. Ou seja, a atual redação da PEC restabelece a divisão de poderes sobre gastos.
O PT teve de abrir mão de tentar indicar toda a destinação dessa verba para conseguir os votos necessários para a aprovação da PEC.
Além de novas exceções às regras fiscais que já havia incluído no texto, antes da votação da PEC na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) na terça-feira, o relator, senador Alexandre Silveira (PSD-MG), apresentou uma nova versão de seu relatório.
Esta amplia a autorização de gastos da PEC — embora algumas destas exceções não impactem diretamente a receita da União, por serem decorrentes de doações, parcerias de entidades públicas ou mesmo recursos não sacados das contas do PIS/Pasep.
O parecer apresentado por Silveira no plenário trouxe duas mudanças nos “penduricalhos” da PEC. O relator retirou do teto de gastos as despesas pagas com recursos próprios, doações e convênios de todas as instituições científicas, tecnológicas e de inovação (ICTs).
Antes, essa mudança beneficiava apenas a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e teria impacto de R$ 7,5 bilhões. Com a ampliação, a medida também valerá para a Embrapa, com projeção de impacto de R$ 3,5 bilhões.
Além disso, o relator ampliou para dezembro de 2023 o prazo de execução de recursos dos fundos estaduais e municipais de saúde e assistência social que receberam transferências da União no período da pandemia. Essa medida atendeu a uma demanda do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), feita ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
O conselho estima haver entre R$ 1,5 bilhão e R$ 2 bilhões nesses fundos da Covid-19 apenas nos estados, e que a ampliação do prazo permitirá o uso desses recursos em um momento de alta no número de casos da doença.
Na terça-feira, antes da aprovação da PEC na CCJ, Silveira havia incluído pontos que prevêem a retirada permanente do teto de gastos das despesas da área de meio ambiente pagas com doações nacionais e internacionais, despesas da Fiocruz, despesas de educação pagas com receitas próprias, doações ou de convênios celebrados com demais entes e recursos do extinto PIS/Pasep que não tenham sido sacados e estejam parados há mais de 20 anos.
Atualmente, segundo a Caixa, há R$ 24,6 bilhões em contas “esquecidas” do PIS/Pasep. Esses valores podem ser usados todos em 2023 ou ao logo dos anos, para investimentos do governo federal.
Além disso, técnicos estimam que o impacto da retirada das despesas da Fiocruz do teto seja de R$ 7,5 bilhões no ano que vem, valor que se soma aos R$ 5 bilhões das despesas de educação que sairiam do teto desta rubrica. No caso das despesas com receitas próprias de universidades federais, o montante fica em torno de R$ 1,5 bilhão.
A PEC ainda tira do teto despesas feitas com empréstimos de órgãos multilaterais, como o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Atualmente, o governo federal tem poucos empréstimos nessa situação, já que o mecanismo é mais usado por estados e municípios.
No caso do PIS/Pasep, esses valores, segundo o texto da PEC, “serão tidos por abandonados” e “apropriados pelo Tesouro Nacional para realização de despesas de investimento” fora do teto de gastos.
O valor entrará como receita primária e sairá como gasto, de maneira a ter um saldo fiscalmente neutro no fim. A PEC ainda dá um prazo de 60 dias após sua promulgação para os titulares das contas reclamarem os recursos.
É um desejo antigo dos integrantes do atual governo usar o dinheiro parado do PIS/Pasep. O governo já liberou o saque diversas vezes, mas, mesmo assim, restou um saldo que continua parado.