Após anunciar crédito com regras livres, ministro diz que programa está sendo aperfeiçoado.
A reportagem é de Vinicius Konchinski, publicada por Brasil de Fato
O governo federal deu sinais de que pretende recuar e impor limites de juros e prazos para empréstimos consignados vinculados ao Auxílio Brasil. A lei que cria esse tipo de crédito já foi sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro (PL), mas a contratação dos empréstimos ainda depende de uma regulamentação do Ministério da Cidadania.
O ministro da pasta, Ronaldo Vieira Bento, informou em suas redes sociais na semana passada que não haveria qualquer limite de juros ou prazo para o novo tipo de consignado. O anúncio, porém, acabou criticado por entidades de defesa do consumidor e economistas. Bancos chegaram a declarar que não iriam operar a linha de crédito.
Na segunda-feira, porém, Bolsonaro esteve na Federação Brasileira de Bancos (Febraban) para uma reunião. Pediu a banqueiros que eles concedam os empréstimos.
No mesmo dia, o ministro Bento deu uma entrevista no programa Voz do Brasil, produzido pela estatal Empresa Brasil de Comunicação (EBC), e sinalizou mudanças no programa. "Tudo está sendo estudado", afirmou ele, ao ser questionado sobre limitações. "Estamos em interação constante com os beneficiários do Auxílio Brasil e num processo de aperfeiçoamento".
Procurado pelo Brasil de Fato, o ministério não deu mais explicações sobre o que seria esse aperfeiçoamento.
Empréstimos consignados são aqueles cujas prestações são descontadas no salário ou benefício do tomador. Por lei, as parcelas não podem comprometer mais de 40% dos pagamentos mensais do tomador.
Esse tipo de crédito já é muito comum entre aposentados e pensionistas. Neste caso, entretanto, além da limitação sobre o comprometimento da renda, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) limita o juro cobrado por bancos pelo crédito.
Atualmente, esse limite é de 2,14% ao mês, totalizando 28,3% ao ano.
Sem limitações para o consignado do Auxílio Brasil, bancos já estavam preparados para cobrar até o triplo disso quando os empréstimos foram autorizados pelo governo. Já existem inúmeras financeiras anunciando um cadastro de interessados no crédito. Nessas propagandas, há empréstimos com juros de quase 6% ao mês, ou 100% ao ano.
Com um juros desses, um beneficiário do Auxílio Emergencial poderia emprestar no máximo R$ 1.300 caso o crédito fosse pago em 12 meses, considerando que a parcela não poderá superar R$ 160. Ao final, ele gastaria R$ 1.920 para quitar o empréstimo. O banco ganharia R$ 620.
Se o empréstimo for pago em dois anos, ou seja, 24 meses, o valor do crédito subiria para R$ 2.000. Ao final, no entanto, ele gastaria mais de R$ 3.840 para quitá-lo. O ganho do banco subiria para R$ 1.840 – quase o mesmo valor do empréstimo.
'Auxílio banco'
Para a economista e coordenadora do Programa de Serviços Financeiros do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Ione Amorim, sem limite de juro, o consignado converte o Auxílio Brasil em "auxílio banco".
"O que dá a entender que a política não foi feita para assistir o cidadão em situação de extrema pobreza. Ela foi feita pra assistir a instituição financeira", criticou ela, que é contra os empréstimos vinculados a benefícios sociais.
Ela também afirmou que muitos beneficiários do programa não têm familiaridade com contas bancárias, cálculos de juros etc. Vão acabar endividados e, pior, com o dinheiro necessário para a comida repassado do governo para os bancos.
"Você vai dar um crédito de R$ 2.000, vai antecipar o equivalente a cinco parcelas. O beneficiário, vai gastar tudo em um mês, no máximo, dois meses. O que vai acontecer? Aí passa a receber R$ 240. É suficiente?", questiona Amorim.
O economista Sergio Mendonça, ex-diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), não é contra o consignado do Auxílio Brasil. Contudo, acha um absurdo que o governo não tenha limitado os juros.
"Se é para oferecer crédito consignado para esse público de baixa renda, deveria ser com a menor taxa de juros. Menor do que para os aposentados e pensionistas. E menor que para os servidores públicos", afirmou ele, levando em conta a vulnerabilidade dos beneficiários.