Renato Souza, do R7, em Brasília
O cerrado, a savana com maior biodiversidade do planeta, pode virar um alvo fácil para desmatadores, que estarão livres para avançar sobre a fauna da região com o fim do monitoramento do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). A verba destinada ao órgão para manter o programa de vigilância da região está chegando ao fim, e o serviço pode ser interrompido no próximo mês.
Desde o ano passado, organizações ambientais, como o ISPN (Instituto Sociedade, População e Natureza), o Instituto Cerrados e entidades que integram a Rede Cerrado alertam para o apagão de dados que pode atingir a área ambiental caso os recursos não sejam repostos. As informações colhidas pelo Inpe servem para nortear ações ambientais contra a degradação da natureza e apontam em que regiões o desmatamento está avançando de maneira mais acentuada e subsidiam operações de órgãos como o Ibama e a Polícia Federal.
O risco de que o monitoramento seja encerrado coincide com o avanço de desmatadores sobre uma região fundamental para abastecer bacias hidrográficas e rios que correm por todo o país e irrigam áreas de produção de alimentos, de produção energética e umedecem a atmosfera prevenindo grandes períodos de seca.
Em um pedido de acesso à informação, realizado no ano passado pelo ISPN, o Inpe afirmou que os recursos utilizados para garantir o monitoramento do Cerrado só era suficiente até janeiro deste ano. O Cerrado, assim como a Amazônia, são vigiados pelos sistema Prodes e Deter, que utilizam satélites, com dados compilados por computadores com elevado poder de processamento para colher e sintetizar os dados.
"O Programa de Monitoramento da Amazônia e demais biomas recebe recursos orçamentários através da ação 20V9.PO0001. Entretanto, os recursos hora alocados cobrem somente as ações de monitoramento da Amazônia Legal brasileira. Para os demais biomas brasileiros o INPE vem contando com recursos extraorçamentários. No caso do bioma Cerrado os sistemas PRODES e DETER, estão financiados com recursos do Forest Investment Program — FIP, em um contrato de doação firmado entre o Banco Mundial e o MCTI. O referido contrato será finalizado em dezembro de 2021", informou o órgão.
"Outras fontes extraorçamentárias que estão sendo exploradas para o financiamento das atividades do PRODES/DETER Cerrado, mas ainda não garantiram o aporte, ou seja, há possibilidade do monitoramento do bioma Cerrado ser interrompido após janeiro de 2022", completa o texto.
Fabio Vaz, coordenador-geral do ISPN, afirma que o Cerrado tem papel fundamental para combater as mudanças climáticas e para evitar grandes períodos de seca nos estados brasileiros.
"O Cerrado tem uma riqueza imensurável pela quantidade de espécies exclusivas de fauna e flora por seus valores medicinais por abrigar grandes reservatórios que abastecem com água e energia diversos estados brasileiros, pela sua diversidade de populações tradicionais e, sobretudo", afirma.
"É uma peça-chave para mitigação das mudanças climáticas que acometem o planeta. Interromper o PRODES é tentar mascarar um problema de ordem internacional tanto pela questão climática quanto pelos fluxos de exportação", complementou.
Ele alerta que interromper o monitoramento, o Brasil viola compromissos assumidos na Conferência do Clima da ONU (Organização das Nações Unidas), o que pode chamar atenção da comunidade internacional. "O Cerrado é o bioma que mais perdeu área para o agronegócio focado no mercado estrangeiro cada vez mais exigente com relação à legislação ambiental. Descontinuar o monitoramento do INPE neste momento seria contradizer os compromissos assumidos pelo país na Conferência do Clima das Nações Unidas realizada em Glasgow há dois meses", completa Fábio.
De acordo com dados do Inpe, em 2020, o desmatamento no Cerrado totalizou 7.340 km², representando um crescimento de 13% em relação ao ano anterior. Os dados parciais de 2021, somados com sete meses do período anterior, preocupam. Entre agosto de 2020 e julho de 2021, foram derrubados 8.531 km² de mata.
A reportagem entrou em contato com o Inpe, Ministério do Meio Ambiente e com a pasta da economia para questionar sobre a manutenção dos sistemas de vigilância e a alocação de recursos para garantir a continuidade dos programas. Até a publicação desta matéria, os órgãos citados ainda não tinham respondido sobre o caso.